sábado, 21 de fevereiro de 2009

Dharavi: uma mini India

Muitos dizem que Dharavi eh a maior favela da Asia e ate mesmo a maior do mundo. Acabei de ler numa revista publicada aqui, Time Out Mumbai, que os aglomerados em volta do aeroporto e ate por volta dos suburbios de Kandivali (duas estacoes de trem ao norte da minha casa, em Goregaon) e Vikhroli sao maiores. Ou seja, o mito de maior ja morre na propria Mumbai. Se isso eh verdade ou nao, nao importa: Dharavi continua sendo unica. E agora, com o sucesso do filme Slumdog Millionaire, que relata a historia de um “slumdog” de Dharavi, a sua fama ja esta percorrendo o mundo.

Se estimar o numero de habitantes em Mumbai ja eh uma tarefa ardua, imaginem estimar o numeros de habitantes em Dharavi... dizem algo entre meio e um milhao. Pra ter uma ideia da quantidade de gente que vive la, nos 223 hectares no coracao de Mumbai, vamos fazer uma estimativa: supondo que 700 mil pessoas vivam la, isso implica numa densidade demografica de 315 mil pessoas por kilometro quadrado. So pra comparar, Sao Paulo sao 142 habitantes por kilometro quadrado...

Mas o que impressiona em Dharavi, nao eh so o numero de pessoas que vivem la. E o “mundo” que vive la: usinas de reciclagem de plastico, curtumes de couro, fabricas de ceramica, padarias, escolas, mercados... uma economia que gera 650 milhoes de dolares por ano e que da emprego a grande parte dos habitantes de la. Alem disso, reunindo migrantes de todas as partes do pais, Dharavi eh como uma mini India, com uma amostra de cada parte do subcontinente, onde muculmanos, hindus, sikhs, cristaos vivem "sob o mesmo teto".

Nossa visita comecou pela zona “industrial”, onde vimos as usinas de reciclagem de plastico. Homens catam lixo pela cidade inteira e chegam ate Dharavi. La o trabalho comeca: separa-se nos diferentes tipos, limpa, pica e finalmente derrete e transforma em pellets novamente. Latas de tinta sao tambem renovadas la, latinhas e outros artefatos de aluminio viram outra vez materia prima nas metalurgicas de Dharavi. Impressionante ver tudo isso acontecendo ... claro que sem a menor estrutura, sem equipamentos de protecao individual, sem nada... Mas segundo o nosso guia, “ai deles de reclamar”, porque ai os donos das fabricas fecham os estabelecimentos e eles ficam sem emprego.

A minha parte favorita da visita foi a zona residencial... ruelas minimas onde dificilmente duas pessoas podem passar ao mesmo tempo... sao tantos casebres, um em cima do outro, utilizando cada centimetro disponivel que impedem ate a luz do sol de chegar ao chao... andando por la, pareciamos estar passeando a noite, enquanto “la fora” eram 3 da tarde... Ao passar pelas ruelas, podiamos espiar o que passava por dentro das “casas”: quartos de 20 metros quadrados, ou seja, tao grandes quanto o quarto que a maioria de nos tem em casa so pra gente, onde familias inteiras dividem o mesmo espaco para cozinhar, dormir, tomar banho, lavar o roupa... (quando eu falo em familias inteiras deve-se entender no estilo indiano: pai mae filhos, noras, netos...)

Ate mesmo la dava pra ver a diferenca entre um casebre e outro: uns com mais espaco, com proprias portas e outros so com uma cortininha... geralmente as estruturas tinham dois andares, entao dava pra ver as minimas escadinhas dando acesso aos quarto do andar de cima. Foi uma experiencia e tanto espiar e imaginar o mundo dessas pessoas... Um mundo onde privacidade nao existe; onde ate pra ir pro banheiro tem que enfrentar fila (a maioria dos casebres nao tem banheiro... as pessoas usam banheiros publicos), onde as ruelas e os drenos sao a mesma coisa e onde a luz do sol nao chega...

Mas a lembranca que Dharavi deixou em mim sao as pessoas... Ja tinhamos comentado, eu e a Salma, que os indianos mais queridos, mais especiais sao os indianos mais simples... Longe daqueles mais ricos, que so pensam em “Business, business” e em cada rupia e tambem longe dos irritantes mendigos e pedintes: os indianos que me comovem e me conquistaram aqui sao os simples, os vendedores de legumes, os costureiros, os donos de mercadinhos, os trabalhadores em fabricas... e os habitantes de Dharavi. Nao faltaram sorrisos na nossa visita, a gente passava e um mundo de sorrisos se estendia ... em plenas condicoes deploraveis que eles estavam, catando plastico na mesma posicao por horas e horas mas bastou nos ver (estrangeiros, ou seja, com certeza pessoas de fora de Dharavi) que de alguma maneira eles mostravam a sua hospitalidade.

As criancas nos estendiam a mao: queriam cumprimentar a gente!!!! Sem contar os milhares de “Hi!” que recebemos delas. Uma menina chegou perto de mim e queria conversar... Coisa mais linda. A familia dela estava junto e todos quiseram se apresentar pra mim. Outras ja sabiam algumas frases em ingles e ate perguntavam o nosso nome. Uma perguntou pra Salma: “What is your name? What is the name of your father?”

Infelizmente, nao nos permitiram tirar fotos durante o tour. O guia disse que as pessoas achavam que a gente vinha pra tirar fotos e depois rir da cara deles. Nao concordo que eles, os indianos, pensem isso... foi uma pena nao poder gravar alguns daqueles sorrisos... tenho certeza que aquela menina que se aproximou de mim e ficou por minutos andando de maos dadas comigo teria adorado tirar uma foto. Mas nao deu. Entao as imagens de Dharavi vou deixar pra profissionais, que diga-se de passagem, fizeram um trabalho maravilhoso.

To check:

National Geographic

Tem muito mais o que escrever neste post… mas vou ficar por aqui so pra deixar voces curiosos… agora tem uma grande discussao a tona porque ha planos do governo de reurbanizar essa regiao… e esse tema tem pano pra manga... ate mesmos os proprios moradores nao se definem; porque ao mesmo tempo que eles querem condicoes melhores, eles tambem nao querem perder empregos, o que provavelmente vai acontecer com a nova Dharavi...

3 comentários:

~luky disse...

reporter cora
parabens pela cobertura :P

Anônimo disse...

Cora, estou curiosa para saber como foi a reação do pessoal quando Slumdog millionaire ganou o Oscar. Se der, escreva a respeito, sim?
Um abraço,
Lu

Daniel e Júlia disse...

Oi Cora! Fui ontem ver Slumdog Millionaire. Realmente o filme mostra muito bem a realidade de Dharavi, pelo que vi nas fotos da Nat. Geo. Que loucura né guria?! E pensar que, apesar de viver em plena miséria, sem as mínimas condições, talvez até pior do que as favelas daqui, as pessoas são amigáveis! Fiquei impressionada com teu post, principalmente com a hospitalidade que tu relatou! Que realidade diferente da nossa (não digo do Brasil, mas da minha e tua, e pensar que a gente reclama da vida por muito menos!).
Guria estou com saudades, vamos ver aí se um dia posso te visitar na índia! bjooooos
Julia